28.5.11

Vivendo e aprendendo

* Por Thiago Busse, em participação especial






Nunca me esqueço do dia quando eu tinha 6 anos de idade, estava de férias viajando com minha família, em uma cidade do interior de São Paulo. Meu pai tinha combinado na noite anterior comigo e com o meu primo que tiraria as rodinhas de nossa bicicleta e nos ensinaria a andar de bicicleta sem rodinhas. Lembro-me com clareza da empolgação que fomos dormir, era como se no dia seguinte fôssemos nos tornar especiais, e iríamos mesmo.


No dia seguinte lá fomos para uma quadra da pousada, para aprendermos a andar sem rodinhas. Meu pai usou a tradicional tática de ir segurando o selim enquanto pedalávamos e soltando aos poucos, na medida que íamos ganhando equilíbrio e confiança, quando menos esperava estava ali, sozinho pedalando, quase que voando, eu olhava para trás e não acreditava eu estava pedalando sem rodinhas, eu era outra pessoa.


A partir daí pedalava sempre que podia, sempre me divertia, ia no parque, pedalava em casa, na rua, a sensação de liberdade que uma pedalada te dá sempre foi, e será, incrível, e como toda criança pedalei muito. Mas um dia parei de usar a bicicleta, não me lembro porque ou quando, mas sei que aos poucos parei. Já era adulto, queria o meu carro, “ser independente”, ter o meu possante, para impressionar as gatas, sair, ir e vir para onde eu quisesse. Ir para a faculdade e não depender de ônibus ou carona. Como todos os adultos, afinal ter um carro significa que somos bem sucedidos, pelo menos era o que eu sempre ouvi.


Consegui o meu carro, e conforme ganhava experiência e confiança dirigindo, andava mais rápido com ele, corria, mudava de pista, brigava no trânsito, xingava, enfim, me comportava como um perfeito motorista de São Paulo. Não posso mentir, abusei muito, e não sei se por sorte, ou pelas orações da minha mãe, nunca me machuquei e também nunca machuquei ninguém.


Certo ponto de minha vida resolvi morar fora, fui para Toronto no Canadá e vendi meu carro, paguei em multas mais de R$ 5.000,00, esse é o único valor que me lembro da transação, nem me lembro do valor de venda do carro. Passei um ano morando fora, andava apenas de transporte público e às vezes como passageiro. Enquanto era passageiro, vi como eu era indefeso, no carro tudo estava fora do meu controle, tinha de confiar no que o motorista estava fazendo e aquilo começou a me incomodar, inclusive porque comecei a pensar muito em todos os abusos que cometi até ali.


Depois que voltei par ao Brasil, decidi continuar sem o carro, continuei andando de transporte público. Dois anos depois e com quase 40 quilos a mais de peso, devido a uma fratura na perna e um molho de 4 meses e péssimos hábitos alimentares, resolvi que precisava emagrecer. Comecei a academia fechei a boca para besteiras, mas não estava sendo o suficiente. Foi então que tive o estalo, porque não começo a usar a bicicleta para ir e vir do trabalho?!


Voltei a pedalar! Fazia academia próximo ao trabalho, assim podia tomar banho, comecei devagar, para testar eu fui e voltei no trajeto que teria de fazer em um sábado, pois assim não teria que me preocupar com o tempo e poderia ir com calma, alem de ter muito menos carro na rua. A cada dia que ganhava experiência enfrentando as dificuldades fui me equipando e me preparando para estar sempre pronto. Comprei capacete, depois luva, kit para remendo de câmera, para lamas, capa de chuva, mochila de ciclista, sapatilha, roupa de ciclista.


A maior descoberta após começar a usar a bicicleta todo dia foi que não importava o dia, hora e situação do trânsito, eu sempre chegava muito mais rápido do que qualquer outro dia indo de carro ou transporte público, sem contar a melhora no condicionamento físico e humor que começo o dia, resultado, em menos de um ano perdi os 40kgs e voltei a ser uma pessoa mais feliz e equilibrada e com certeza, a grande responsável por isso foi a bicicleta.


Mas também descobri uma coisa triste, a cidade em que moro está toda errada, e pior do que isso, a forma como as pessoas vivem nela está mais errada ainda. As pessoas vivem para comprar um carro, e quando conseguem, não conseguem andar mais rápido do que uma galinha. A velocidade média de um carro em São Paulo na hora do Rush é a mesma que uma galinha consegue atingir correndo, 15km/h. Imaginem uma situação, você sai de casa de carro e uma galinha sai correndo junto, por incrível que pareça, a galinha vai chegar junto com você no seu destino.


Hoje não me vejo mais usando outro meio de transporte em São Paulo que não seja a bicicleta. Há pouco mais de 1 mês tive que vir de carro para o trabalho, e lembrei porque todo dia, mesmo cansado, com frio, chuva ou seja lá qual for a desculpa que o nosso corpo encontra de manhã para nos dizer para voltar a cama, eu pedalo. Levei nesse dia mais de 3,5 horas no trânsito para ir e vir do trabalho, e não tinha acontecido nada de especial, nem chovendo estava, era apenas excesso de veículos. Geralmente levo 80 minutos de bicicleta no mesmo trajeto, 40 minutos na ida e 40 na volta, para percorrer 40 kms, 20 na ida e 20 na volta. Façam
as contas e comparem!


O mais incrível nisso tudo é que vejo que quem para e olha para um caminho diferente e escolhe não acompanhar o rebanho, vira um ET, principalmente no Brasil. Meus vizinhos me olham descendo o elevador do meu prédio de bicicleta todo paramentado e comentam, que coragem andar de bicicleta nesse trânsito, eu geralmente respondo dizendo que eu é que admiro quem tem coragem de andar de carro nesse trânsito. Nós que escolhemos não andar de carro, por opção, somos alienígenas, estamos loucos, somos alternativos.


Não quero convencer ninguém a trocar o carro pela bicicleta, mas quero que as pessoas parem e reflitam com a seguinte pergunta: o carro realmente é a melhor opção que tenho para me locomover na cidade!?


Desde criança sempre ouvi que deveríamos ouvir os mais velhos, porque eles têm mais experiência e já viveram e erraram. Eu olho para as grandes cidades européias, que são muito mais “experientes” que a nossa moderna São Paulo e vejo que eles estão nos dizendo, deixem o carro de lado, invistam em transportes de massa e alternativos, principalmente a bicicleta, e me pergunto, não deveríamos ouvir os mais velhos neste caso!?


Como a Renata Falzoni disse na entrevista que ela deu aqui no blog, muito já foi feito pela bike no Brasil, mas há ainda muito mais o que fazer. Não podemos nos deixar se acomodar apenas por ter uma medíocre quantidade de ciclofaixa de lazer aos domingos e feriados, e nem aceitar a ridícula quantidade de ciclovias que não conectam a lugar algum. Devemos sim fazer o uso dessa estrutura, seja para o lazer ou transporte, mas também devemos pedir mais, e além de tudo mostrar que a bicicleta não é apenas uma solução para o transporte, mas para a saúde, meio ambiente, economia enfim, para uma vida melhor. Digo isso não apenas porque sou apaixonado pela bike, mas porque vivi essa mudança, e acho que todos podem viver melhor,
é o que desejo, uma cidade mais feliz, mais humana, mais limpa, mais divertida. São Paulo não é uma cidade feita para as pessoas, mas uma cidade feita para os motoristas, mas agora nem eles se divertem mais andando de carro em São Paulo. Só espero poder viver para ver um pelo menos um pouco disso acontecer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

REDE CULTURA

2leep.com